Dom Paulo e a Ditadura no Brasil

Ontem falávamos da missão do profeta e de sua característica de denunciar o sistema político, econômico e religioso. No jornal Estadão de hoje, foi publicada uma matéria sobre Dom Paulo Evaristo Arns, contando a sua batalha silenciosa contra a ditadura. Segundo o jornal: "no auge da violência promovida pelo governo militar, parte da Igreja e centenas de líderes religiosos no Brasil passaram a ser alvo da repressão."

ditadura-02Fala-se que "entre 1968 e 1978, 122 religiosos foram presos pelo regime militar. Havia 36 estrangeiros, 9 bispos, 84 sacerdotes, 13 seminaristas e 6 freiras. Outras 273 pessoas 'engajadas no trabalho pastoral' tinham sido detidas. Dessas, 34 foram vítimas de torturas como choques elétricos, paus de arara e pressões psicológicas. 'Há registros de pessoas que ficam inutilizadas física e/ou psicologicamente por motivo da tortura.' Entre os motivos mais freqüentes de prisão estava o fato de proferirem homilias que desagradavam às autoridades, além de ajudarem a organizar manifestações operárias."

Ainda segundo o jornal, "o texto de introdução do levantamento deixa claro que o material havia sido encomendado por d. Paulo, que já tentava organizar um dossiê que compilasse as violações aos direitos humanos e pudesse ser usado em algum momento pela Justiça." Eis um grande profeta. Dom Paulo, de forma pacífica, porém coerente com os valores do Evangelho não se calou diante da violação de direitos humanos que vinha ocorrendo no Brasil. Com a ajuda de outros líderes religiosos " avaliaram que era hora de reagir nos bastidores para reunir apoio internacional e demonstrar a insatisfação popular nas ruas."
Uma carta do encarregado de Direitos Humanos na América Latina do Conselho mundial de Igrejas a Genebra relatou a "crescente tensão entre a Igreja e as autoridades" , onde descreve um "ato que reuniu 6 mil pessoas na Igreja da Penha, em São Paulo" e a resposta de retaliação dos militares contra a Igreja, quando apreenderam "uma tonelada de 'material e equipamento subversivo' e prenderam mil e quinhentos alunos"

Segundo o autor da carta, D. Paulo era "considerado alguém de 'coragem, firmeza e sentido de timing'", ou seja do tempo ideal. "A relação entre o Conselho e D. Paulo ganharia novas dimensões". Dois anos após a invasão da PUC, o cardeal escreveu ao então secretário-geral do Conselho de Igrejas, Philip Potter, sob o alerta de que o 'conteúdo dessa carta deve ser confidencial, dada suas implicações'. Era o pedido por fundos internacionais clandestinos para a operação que culminaria na publicação, em 1985, de "Brasil: Nunca Mais". A pesquisa revelaria nomes de 444 torturadores, 242 centros de tortura no Brasil e, com os testemunhos de milhares de vítimas, apontaria a dimensão da repressão no País."

dom-paulo-evaristo-01"O projeto foi ideia do reverendo protestante Jaime Wright, cujo irmão, Paulo, havia sido morto pelo regime. Em vez de procurar sua igreja, o pastor optou por se aliar a D. Paulo. Mas o cardeal resistia em pedir dinheiro para a Igreja Católica no Brasil, temendo que a ala conservadora abafasse o projeto e o denunciasse. A solução era pedir dinheiro de forma ilegal, vindo da Suíça." Era um projeto ambicioso. O grupo usaria uma brecha na lei para compilar os dados. Para se preparar para a Lei da Anistia, dissidentes e advogados tiveram acesso por 24 horas a seus dossiês. Foi o suficiente para que o grupo detalhasse a repressão em 1 milhão de páginas coletadas.

"Por todo Brasil, em Cortes militares, há uma abundância de material que substanciam 15 anos de repressão, contidas em centenas de dossiês", afirmou D. Paulo. Em outra carta, o cardeal chegou a citar o caráter "enciclopédico da tortura" no Brasil. Para Charles Harper, que hoje vive na França, D. Paulo deu apoio moral e espaço físico para quem, dentro da Igreja, lutou contra a ditadura. O projeto valeu a adesão do Brasil nos anos 80 à Convenção da ONU contra Tortura. Para Harper, mesmo que os criminosos nunca tenham ido à Justiça, o trabalho de D. Paulo e do arquivo em Genebra fez com que a tortura no País e suas vítimas não sejam esquecidas.


 

FONTE: O artigo de Marília Amaral nos foi enviado diretamente pela autora, tendo sido primeiramente veiculado pela Rádio 9 de Julho no dia 21 de junho de 2011. Sua reprodução é autorizada pela Rádio 9 de Julho.