Carta aberta ao Sr. Joaquim Levy sobre a instalação e manutenção de usinas nucleares no Brasil. 20/05/2015
Sr. Ministro, temos seguido pelos jornais seus esforços para diminuir os gastos do governo. Pois teríamos uma sugestão a lhe fazer, que se mede em termos de bilhões a serem economizados imediatamente: parar a construção da usina nuclear de Angra III.
Essa obra está cercada de possíveis surpresas desagradáveis: as que já estão sendo provocadas por revelações de grandes empresas que dela participam e têm seus nomes nas listas da Lava Jato; e as que podem ser determinadas pela Justiça, caso o Ministério Público leve adiante uma denúncia feita em 2010 pelo engenheiro de segurança Sidney Luiz Rabello da Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Sua denúncia – que seus superiores tentaram desmentir sem o conseguir - foi a de que o projeto de Angra III é anterior aos grandes acidentes ocorridos a partir de 1979 e não foi atualizado para adequar-se às novas normas de segurança que a Agencia Internacional de Energia Atômica editou, em função desse acidente. O Procurador Federal então em exercício em Angra dos Reis transformou a denúncia em recomendação, bem fundamentada em processo de quatro volumes, a que infelizmente a Eletronuclear respondeu com a usual tecnicidade enganosa.
Sr. Ministro, parar esta obra, até que um dia o projeto seja revisto, lhe daria também a oportunidade de mostrar que, além de cuidar da economia, V.Exa. se interessa pela segurança e bem-estar da sociedade, preocupando-se, portanto, em evitar que venha a acontecer um acidente nuclear no Brasil, provocado por falhas de projeto, como os ocorridos em Chernobyl e Fukushima. Quem tem informações sobre os pormenores desses trágicos acidentes classifica-os como catástrofes, pelo sofrimento em curto e longo prazos dos trabalhadores das usinas e dos moradores das regiões circundantes, e pelos milhares de mortes que já causaram – continuando a ameaçar muitas gerações futuras, por força da contaminação radioativa de extensos territórios.
Mas referindo-nos apenas aos aspectos econômicos, V. Exa. certamente sabe que o sr. Pedro Malan, Ministro da Fazenda do sr. Fernando Henrique Cardoso, não tomou posição a favor ou contra o programa nuclear, mas não liberou verba para a construção de Angra III por causa do seu custo.
Sabe também, certamente, que um pedido de financiamento a bancos europeus para terminar a obra ficou muitos meses pendente, por falta de resposta brasileira a questões da companhia de seguros alemã Hermes, relativas à segurança da usina, e que esse pedido de financiamento foi então repassado à nossa Caixa Econômica Federal, que não pediu nenhuma informação desse tipo e o atendeu...
Parar esta obra também economizará muitos recursos futuros – sempre na ordem de bilhões – para o atual e para futuros governos, se a obra for realizada e tivermos que desativar o programa nuclear posteriormente, como está fazendo a Alemanha. O simples desmonte de uma usina e sua descontaminação (“descomissionamento”), pode durar de 20 a 60 anos, com custos em geral maiores do que o próprio custo de sua construção. Ao tomar a decisão de descontinuar seu programa nuclear a Alemanha passou a investir em fontes renováveis de energia, mais seguras e mais limpas - como a solar, por exemplo, que no Brasil temos de sobra para atender a boa parte de nossa demanda energética.
É bom lembrar que esses descomissionamentos nunca poderão ser deixados para depois, uma vez que centrais nucleares compõem-se de diversos edifícios, com equipamentos que não podem ser abandonados na natureza, com grandes quantidades de rejeitos radioativos (lembremo-nos de Goiânia, onde somente 19 gramas de cloreto de césio 137 deixadas num equipamento de radioterapia desativado causaram logo a morte de 11 pessoas e contaminaram 600 outras). Muitos desses rejeitos têm “meias-vidas” de milhares de anos e devem ser, por isso, “escondidos” em tuneis profundíssimos, isolados da biosfera, até que suas emissões radioativas caiam a níveis que não provoquem danos aos organismos vivos.
Se pararmos Angra III antes dela começar a funcionar (e com isso passar imediatamente a ter como perspectiva transformar-se em “lixo atômico”), evitaremos essas preocupações. Só temos que desejar que não entremos numa onda mundial de abandono do nuclear por causa da ocorrência, em algum lugar do mundo, de um quarto acidente “severo”.
Mas falando de “lixo atômico”, chamaríamos sua atenção para o fato da Justiça Federal ter determinado que as usinas de Angra deverão parar se a Eletronuclear não resolver o problema do depósito definitivo, em local seguro, dos rejeitos nucleares que elas produzem ininterruptamente. Um de nossos deputados já lembrou que até agora nenhum país rico resolveu satisfatoriamente esse problema, apesar das enormes somas nisso despendidas (para muitos especialistas, o problema dos rejeitos é insolúvel...). O problema é que, dizendo “por que só nós, então?”, esse deputado conseguiu a proeza de arquivar, com seu relatório na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, um projeto que proibia novas usinas nucleares no Brasil enquanto o problema dos rejeitos não estivesse resolvido...
Pois é, Sr. Ministro, essa será outra enorme despesa se a Justiça Federal resolver que suas decisões devem ser cumpridas – e o prazo que ela deu para isso está dentro do atual mandato presidencial...
Nem falemos se - por infelicidade - o próximo acidente nuclear ocorrer em nosso país. As despesas do governo serão gigantescas, pois dezenas de milhares de pessoas terão que ser imediatamente evacuadas da região; milhares de alojamentos deverão ser construídos; ajudas e indenizações deverão ser pagas; e assistência médica e psicológica deverá ser oferecida... O valor é tão espantoso – a ser gasto por tanto tempo – que na Bielorrússia (por causa do acidente ocorrido em Chernobyl, na Ucrânia) e na França (onde uma das coisas que os franceses mais temem é um acidente em alguma de suas 58 usinas...) inventaram programas de reeducação pós acidente (“Ethos” e “SAGE”) em que, por não ser possível evacuar todos que deveriam ser evacuados, se ensina e se treina os que tem que ficar a “conviverem” com a radioatividade, até que ela tenha seus efeitos fatais...
Terminando, podemos lhe dizer que suas previsões de despesas poderão explodir com a elevação contínua de custos exigida pela segurança das usinas: o senhor Ministro deve estar informado de que a AREVA, empresa francesa detentora de um dos contratos para terminar Angra III, está entrando em falência por causa desses custos e não está conseguindo terminar, nem sua moderníssima usina de Flamanville na França, nem outra igual que vendeu para a Finlândia.
É certo que vai ser difícil convencer a Presidenta Dilma de parar Angra III: ela era Ministra do Presidente Lula quando este decidiu retomar essas obras. Mas essa não é uma economia a desprezar, mesmo pagando alguma multa às empreiteiras. Talvez a gravidade da atual crise faça prevalecer o bom senso no Planalto.
Com nossos respeitos,
Chico Whitaker, Comissão Brasileira Justiça e Paz e Coalizão Por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, São Paulo, a quem se associaram as seguintes organizações, cidadãos e cidadãs (segue-se lista com os nomes de 35 organizações e 185 cidadãos e cidadãs que subscreveram a Carta até o dia 20 de maio de 2015).
Fonte: Divulgação pública.